sábado, 9 de novembro de 2013

O Silencio


Desde criança o silencio me instigava. Talvez porque tinha problemas com palavras. Nunca conseguia (e talvez ate hoje não consigo) descrever exatamente o que passa dentro de mim.  Minhas brincadeiras era adivinhar o que as outras pessoas pensavam e pedia para meus irmãos adivinhassem o que eu estava pensando naquele momento, um ensaio de uma comunicacao por telepatia. Cresci ouvindo Rita Lee e ficava imaginando o que seria "fazer amor por telepatia" na minha cancao favorita de "Mania de Você". Introvertida e tímida na minha infância, relutei por um tempo a minha voz. Gostava de observar, sentir, e ouvir muito mais do que falar. Claro que a fala e tao importante quanto, mas sempre achei que havia um certo exagero, ou "barulho" no mundo. Achava que as pessoas falavam demais, que "enrolavam" muito mais do que se comunicavam. Fui aprendendo a "enrolar" na adolescencia, e me tornei mestra nas mais longas e detalhadas estorias para as minhas amigas intimas… E assim quando crescemos vamos perdendo o nosso grande mestre, nosso Eu.
Com o tempo, a yoga e a meditacao foi me ensinando a resgatar, compreender e aperfeiçoar o silencio. Afinal, pensamos que estar em silencio e apenas ficar calado e não damos conta aos "barulhos" internos da nossa mente. As vezes o barulho interno e maior que o externo e falhamos achando que estamos em silencio. Enquanto houver turbilhoes de pensamentos, nunca estaremos em silencio.
Na kundalini yoga, a maior parte das meditacoes utilizamos mantras, ate porque necessitamos dessa comunicacao entre mente e coracao através da fala. O mantra serve também para focar a mente, e a maneira mais simples e eficaz de não desperdiçarmos energia pensando em varias coisas ao mesmo tempo. Com a pratica, o silencio pós meditacao se torna o momento talvez mais importante para alcançar "shunia", ou seja, uma mente neutra, vazia e sem pensamentos, pois a mente foi condicionada a cada vez menos produzir pensamentos com o mantra e entrar em contato com algo maior do que seu ego.
Com ensinamentos do meu irmão budista fui aprendendo a meditar em silencio sem os mantras. Este ano no curso do Marco Schultz também. Fiz um compromisso comigo mesma de implementar o silencio nas minhas meditacoes diárias. E ate mesmo apos o retiro de silencio algumas semanas atrás, sinto necessidade da meditacao mais vezes ao dia.
O caminho para o silencio na realidade não importa. São vários caminhos para o mesmo lugar. Seja através de diversos tipos de meditacao, seja contemplando a natureza ou qualquer outra forma de amor e entrega.
Talvez a sensacao da infância de não conseguir me expressar, seja da tamanha grandeza e de um certo mistério que nos cerca. As palavras ficam pequenas em contato com o silencio verdadeiro.
O silencio para mim e um encontro. Quando você não se identifica mais com seu ego, com seus pensamentos, você passa a se conectar com algo maior do que você. Da mesma forma que você observa e contempla a natureza, existe um mistério ali que silencia, que basta. E posso dizer que a vida fica tao mais iluminada através do silencio ate mesmo nas suas relações cotidianas. Um olhar, um sorriso, um gesto, um toque comungando o silencio que existe em nos, na presença, no aqui-agora...



 "Vem. Conversemos através da alma. Revelemos o que é secreto aos olhos e ouvidos. Sem exibir os dentes, sorri comigo, como um botão de rosa. Entendamos-nos pelos pensamentos, sem língua, sem lábios. Sem abrir a boca, contemo-nos todos os segredos do mundo, como faria o intelecto divino. Fujamos dos incrédulos que só são capazes de entender se escutam palavras e veêm rostos. Ninguém fala para si mesmo em voz alta. Já que todos somos um, falemos desse outro modo. Como podes dizer à tua mão : "toca", se todas as mãos são uma? Vem, conversemos assim. Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma. Fechemos pois a boca e conversemos através da alma. Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo. Vem, se te interessas, posso mostrar-te" ... "Na verdade, somos uma só alma, tu e eu, Nos mostramos e nos escondemos tu em mim, eu em ti, Eis aqui o sentido profundo da minha relação contigo Porque não existe, entre tu e eu, nem eu, nem tu..." (Rumi)

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