terça-feira, 30 de setembro de 2014

Peregrinação e Auto-Conhecimento nos Andes com Marco Schultz

Voltei há pouco tempo de uma das viagens mais preciosas da minha vida. Neste momento me desafio a colocar em palavras todo aprendizado e processo desde o dia que cheguei ao solo sagrado andino.
Estava programando esta viagem há alguns anos com meu querido mentor Marco Schultz, e finalmente este ano pude realiza-la. 
Foram 15 dias intensos com visitas a ruínas, contato com a cultura inca, yoga, meditação, xamanismo, e profundo auto-conhecimento em 4 dias na trilha de Salkantay. De Cusco, ao Vale Sagrado, ate a deslumbrante chegada a Macchu Pichu com uma linda turma de 27 integrantes.
Fiquei encantada ao chegar em Cusco. Uma cidade linda, com varias praças, ruas de paralelepipido, catedrais, vista para as montanhas, e uma mistura de turistas e comerciantes pelas ruas que deixava a cidade ainda mais interessante.
A visita a Cusco foi estratégico para o processo de aclimatação a altitude. Já no aeroporto nos ofereceram folhas de coca e na recepcao do hotel o chá de coca era servido a vontade. Mesmo tomando todo o cuidado pude sentir tonturas e dores de cabeça nos primeiros dias. A falta de ar estava presente nas caminhadas as ruínas.
Os dias em Cusco foram também de muita cultura com guias maravilhosos. 
Para os Incas, existiam três níveis espirituais, o mundo de cima, conhecido como Hananpacha (o mundo dos espíritos), o mundo do meio, conhecido como Kaypacha (o mundo dos homens) e o mundo de baixo, conhecido como Ukupacha (o mundo dos mortos). Os Incas criaram então a trilogia andina, representada pelo Condor, Puma e Serpente, animais muito sagrados, e cada um destes animais trabalhavam como guardiães dos mundos supra citados, onde o Condor era o guardião do mundo de cima e mensageiro entre céu e terra, o Puma do mundo do meio e representa a forca da terra, e a Serpente do mundo de baixo que representa a sabedoria. No tempo dos Incas os homens viviam entre os três mundos e se relacionavam com eles através da trilogia totêmica, dos animais sagrados. Porém, com o tempo, o homem se isolou e perdeu a conexão com todos os mundos, inclusive com o seu próprio mundo. Dai então, vem o ensinamento da sociedade secreta "Orden del Condor de Los Andes", com uma proposta de resgate da alma, nos transmitindo a "Visão do Condor".
Pacha em quechua significa Terra, por isso o termo Pachamama, A Mãe Terra. Os Apus são espíritos das montanhas que não deixam de ser também um filho de Pachamama. Na visão dos andinos as montanhas são seres viventes, com um corpo físico que respira, tem esqueleto, pele, sangue e espirito. Por isso, subir uma montanha andina, não exige apenas do físico e mental, mas sim esta comunhão sagrada entre Pachamama e Apus. 
Aprendemos a fazer oferendas a Pachiamama de acordo com um principio quechua muito valioso, a reciprocidade. Oferecíamos 3 folhas de coca, e com um sopro colocávamos nossos desejos.
Já no Vale Sagrado tivemos um momento de mais introspeção em Wikka Tica, um pequeno ashram da querida californiana Carol que teve uma visão e transformou um terreno rochoso em um imenso jardim de arvores, flores e plantas de diversos países, divididos por cores representando os chakras.
A sensacao que tive quando pisei em Wikka Tica e que ja havia estado la. Não sei como mas nas minhas praticas de Yoga Nidra, o jardim que me imaginava para relaxar e conectar estava la! Foram dias de imersão com consultas com nosso amado xama, Sandeh, tratamentos terapêuticos, praticas de yoga, meditação, e muita contemplação a Pachiamama.
Marco pediu para que eu desse uma aula de yoga numa manha, e com muita honra e gratidão escolhi oferecer uma pratica de Kundalini Yoga, já que aqueles jardins nos remetiam a cura de nossos chakras, a simbologia da serpente na trilogia andina, e a espiral que simboliza Pachiamama e que havíamos visto desenhados e construídos com rochas em todos os locais de poder inca. Como se os incas soubessem do poder da energia kundalini dentro de nos assim como o poder de todo universo. Vale uma pesquisa da relação inca com o surgimento da simbologia da kundalini que e representada pela espiral e a serpente. Talvez, e por que não, os incas foram os grandes primeiros yoguis??...
Inspirada a véspera da trilha de Salkantay, fizemos um ritual em uma das espirais, local de poder inca, onde batizei meu cajado com o nome "fé". Fizemos uma cerimonia xamanica também para nos proteger nos dias seguintes de trilha. Estava "preparada", assim achava. Atleta e ex-corredora de montanha, estava segura em relação ao meu condicionamento físico e experiência do que levar em situações climáticas adversas. A minha única preocupação era a altitude. 
A noite, véspera do primeiro dia de trilha, não consegui dormir ardendo de febre, passando mal com diarreia e vomito. Dormi por meia hora e levantei sem febre um pouco antes da hora marcada para saída. Fraca e debilitada pela noite anterior, não conseguindo comer ou beber nada pois ainda estava passando mal, caminhei durante o dia no nosso primeiro trecho ao lado do meu cajado "fé", entoando os mantras de proteção da Kundalini Yoga, avistando a montanha de Salkantay de longe, e pedindo para que Pachiamama e Apus me levassem. Já nesse primeiro dia de trilha, tantas fichas caíram... aniquilando meu ego, compreendi de que nada servia ser uma atleta para subir aquela montanha afim de chegar a terra sagrada de Macchu Pichu. Precisei de todo esse processo de sacrifício e limpeza para me dar conta de muita coisa.
Como se não bastasse o sacrifício do primeiro dia, amanheci bem melhor mas fui comunicada logo cedo que faria o primeiro trecho da trilha para o lago a cavalo para poupar energia para o terceiro dia que era a subida ao glacial. O grande problema do dia, era que desde os meus 16 anos de idade não me aproximava de cavalo algum por causa de um grave acidente que tive naquela época. Tentei convencer Marco e Sandeh que iria a pé, mas não teve jeito, todos nos sabíamos que teria que enfrentar o trauma, e aquilo fazia parte do processo. Não sei quanto tempo durou mas pareceu uma eternidade montar naquele cavalo. Revivi todo o acidente, um medo incontrolavel. Enfim, consegui ir me acalmando com as palavras do xama dizendo que eu era como um cavalo mas que naquele momento eu precisava da forca daquele animal. Fui interagindo com a energia dele e ao final do trecho parecia uma criança expressando minha gratidão com abraços e carinhos. Na chegada ao lago, uma visão indescritível, apenas contemplação e gratidão. Estava começando a entender que bencao e que oportunidade Pachiamama e Apus estavam me proporcionando. Apenas havia uma frase em minha mente, a frase do Prof. Hermogenes: " Eu entrego, confio, aceito e agradeço". 
No terceiro dia, mais forte apesar de ainda estar passando mal continuei caminhando com meus mantras e quando avistei a montanha se aproximando passou todo mal estar e parecia nova. Quando cheguei ao topo de Salkantay, senti uma energia incrível... ri, chorei, orei. Pedi para que Deus me confirmasse que estava ali, e veio o som das rochas do topo cobertas de neve rolarem montanha abaixo. Comunhão. Sim, sim, sim... Precisei de toda limpeza, como uma serpente que descasca e troca sua pele, aos passos de puma, forte e valente, para conseguir enxergar com olhos de condor o alem do alem, do alem...
Ao finalizar no quarto dia, completando aproximadamente 80 km de trilha, depois de passarmos por glaciais, mata, cachoeira e rio, chegamos ao nosso destino: Machu Picchu. Arrepio novamente só de lembrar da energia daquele lugar sagrado, que fomos recebidos com uma chuva auspiciosa na qual comemorei apôs meu renascer, este lindo batizado.
De volta pra casa, a vida segue, porem ainda mais expandida. Grata por cada momento, por cada licao, e pelo Amor Maior que não cabe em palavras... Apu!